Risco Sísmico em Portugal

RISCO SÍSMICO EM PORTUGAL

Tectónica em Portugal

Devido à sua localização, junto à fronteira de placas Euro-Asiática e Africana (Núbia) designada por fractura Açores-Gibraltar, o território de Portugal Continental e Insular é caracterizado por uma zona de sismicidade assinalável.


Figura 1 – Modelo geodinâmico interpretativo para a colisão das Placas Euro-Asiática e Africana
Fonte: Adaptado de Nunes, 1999

Na zona mais ocidental da fractura Açores-Gibraltar encontra-se a junção tripla dos Açores onde se junta a placa Americana (Figura 1), fazendo a Crista Média-Atlântica a separação desta com as placas Euro-Asiática e Africana. Nos Açores a sismicidade está ainda associada à actividade vulcânica e ao movimento da Microplaca dos Açores, onde se localizam todas as ilhas, à excepção das Flores e Corvo que se encontram na Placa Americana.

O limite entre as placas Euro-Asiática e Africana é complexo e apresenta características tectónicas distintas pelo que é subdividida em três troços com comprimentos e comportamentos tectónicos distintos:

– um troço mais oriental, designado Banco de Gorringe, que apresenta um movimento de compressão (cavalgamento) da placa Euro-Asiática sobre a placa Africana a uma velocidade de 0,5 cm/ano;

– um troço central, designado falha GLORIA, onde se verifica uma velocidade de deslocamento relativo entre as duas placas, da ordem dos 3,39 cm/ano;

– um troço mais ocidental, o Rifte da Terceira, que apresenta uma velocidade de afastamento entre as placas da ordem dos 0,76 cm/ano.

O movimento de separação da placa Americana da placa Euro-Asiática, que se deu há mais de 150 milhões de anos, está assim na origem dos sismos que ocorrem de tempos a tempos na região.

Analisando agora a localização dos epicentros na Figura 2, verifica-se que existem manchas bem definidas de maior concentração de epicentros, indiciando presença de zonas activas não só na fronteira de placas, como por todo o território de Portugal Continental. No entanto, importa referir que nas falhas no interior do continente (sismos intra-placas), não é possível acumularem-se as quantidades de energia necessárias para provocar sismos de magnitude daqueles que é possível gerar na zona de fronteira de placas (Oliveira, 2008). Embora estas falhas gerem sismos de menor magnitude que os gerados na fronteira de placas, como se situam mais perto dos aglomerados populacionais, as distâncias entre a falha e o aglomerado em análise são suficientemente pequenas para que as ondas não atenuem quase nada, provocando nessas zonas acelerações do solo mais altas que as provocadas por sismos de maior magnitude mas com epicentro mais afastado. Como os danos provocados nas construções são resultado essencialmente das acelerações do solo, os sismos intra-placas (ou no interior do continente) podem originar mais danos nas zonas próximas do seu epicentro do que sismos inter-placas.

Sismicidade histórica e instrumental em Portugal


Figura 2 – Sismicidade registada no continente e regiões adjacentes de 63 a.C. a 2007
Fonte: Adaptado de Martins e Mendes-Victor, 1990

Na Figura 2 encontramos maiores concentrações de epicentros nas regiões do Vale do Tejo e de Évora, no sul Algarvio e a sudoeste do Cabo de São Vicente, numa faixa que vai desde a Planície da Ferradura até ao Banco de Gorringe (Figura 3).


Figura 3 – Principais zonas sismogénicas na margem SW da Península Ibérica. GBF –   Banco Gorringe; PAF – Falha Principes de Avis; MPF – Falha Marquês de Pombal; HF – Falha da Ferradura; NGBF – Banco de Guadalquivir Norte; SGBF – Banco de Guadalquivir Sul; PSNF – Falha Normal Pereira de Sousa; LTVF – Falha Lisboa e Vale do Tejo
Fonte: Adaptado de Zitellini et al. (2004)

O sul do país está mais exposto devido não só aos sismos inter-placas mas também à presença de falhas activas que atravessam a região do Algarve, nomeadamente as falhas de Portimão, Quarteira e Faro-Loulé onde ocorreu o sismo de 1722. Relativamente às zonas próximas das falhas do Vale Inferior do Tejo são de elevada perigosidade e nelas se reconhecem os eventos de 1531 (M6,5 – M7) e o sismo de Benavente em 1909 (MS6,3). Já todo o Alentejo é percorrido no sentido SW-NE pela falha de Messejana e com menor expressão aparecem fontes sismogénicas a norte de Évora, no prolongamento da falha da Nazaré e na zona de Moncorvo – a falha da Vilariça.

Dado o seu enquadramento geotectónico, a região dos Açores apresenta uma importante actividade vulcânica e uma notável sismicidade. A actividade sísmica de natureza tectónica, isto é, a associada às principais falhas activas existentes na Região dos Açores, manifesta-se usualmente sob a forma de um elevado número de microssismos (sismos de magnitude inferior a 3). Periodicamente, contudo, as ilhas dos Açores são abaladas por sismos moderados a fortes, os quais afectam uma ou mais ilhas do arquipélago e causam destruições e impactos económicos significativos. A Figura 4 apresenta a localização da zona epicentral dos sismos sentidos nos Açores no período entre 1850 e 1998. Para épocas anteriores à instalação dos sismógrafos (o primeiro em 1902 e, posteriormente só a partir de 1950), a sismicidade baseia-se em relatos e notícias escritas.


Figura 4 – Sismicidade na região dos Açores de 1850 a 1998
Fonte: CSRA – Catálogo Sísmico na Região dos Açores, Versão 1.0 (1850-1998) (Nunes et al., 2004)

Relativamente à ilha da Madeira, que se encontra localizada na placa Africana, apresenta reduzida sismicidade, registando-se nos últimos 500 anos apenas um evento relevante e com potencial destrutivo moderado, no ano de 1748.

Portugal, devido ao seu enquadramento, tem sofrido as consequências de sismos de moderada a forte magnitude. O sismo mais antigo de que há notícia terá ocorrido em 63 a.C., foi seguido de um tsunami que afectou as costas portuguesa e galegas. De entre os acontecimentos que marcaram a história da sismologia em Portugal, podemos destacar aqueles que provocaram danos mais importantes no território português :

DataObservaçõesIsossistas
26-01-1531Causou danos no centro de Portugal continental, particularmente na região de Lisboa. Teve epicentro provável na região de Benavente (falha do Vale Inferior do Tejo) de acordo com Senos et al. (1994). A partir da intensidade máxima IX, estimou-se a sua magnitude em 7 (Cabral, 1995). Estudos mais recentes (Vilanova, 2011) apontam para valores inferiores de magnitude cerca de 6,5. Foi sentida alguma agitação das águas do Tejo (Diogo Couto, 1778 in Moreira, 1991).
Fonte: Adaptado de Moreira, 1991
27-12-1722Causou grandes estragos humanos e materiais desde o cabo S. Vicente a Castro Marim, com incidência em Tavira, Faro e Loulé. Teve o seu epicentro no mar e gerou um tsunami local em Tavira.
Fonte: Adaptado de SPES, Soc. Port. Eng. Sísmica
01-11-1755O maior dos sismos e tsunami de que há notícia histórica. Sentiu-se fortemente em Lisboa, Algarve, sul de Espanha e Marrocos. Embora sem causar danos, também foi sentido nos Açores (tendo causado danos no edificado de Ponta Delgada (São Miguel), Angra do Heroísmo e Praia da Vitória (Terceira), na Madeira e por quase toda a Europa. O megassismo de 1 de Novembro de 1755, com uma magnitude que se estima entre 8,7 e 9,0, atingiu intensidades máximas de X no Algarve (Pereira de Sousa, 1915). O número total de vítimas, é muito incerto com estimativas que variam entre 20000 e as 40000 pessoas. Só em Lisboa, pensa-se que dos 200000 habitantes da época, 20000 terão morrido. Das 20000 casas existentes, apenas 3000 podiam ser reocupadas a seguir ao sismo. Totalmente destruídos ou severamente danificados contam-se 32 igrejas, 60 capelas, 31 mosteiros, 15 conventos e 53 palácios. Os relatos da época são pouco concordantes, tornando-se difícil conhecer o número exacto de vítimas devidas ao sismo, ao tsunami e ao incêndio (Oliveira, 2005). A resposta à catástrofe foi rápida, contudo a reconstrução completa da cidade, prolongou-se no tempo por um período de 100 anos aproximadamente.
Fonte: Adaptado de Moreira, 1991
11-11-1858Com origem próxima do vale submarino do Sado, associa-se um dos grandes sismos que afectaram Portugal. Atingiu uma intensidade X (IMM) em Setúbal, provocando grande destruição em várias povoações.
Fonte: SPES, Soc. Port. Eng. Sísmica
23-04-1909O epicentro que se localizou na zona de Benavente (falha do Vale Inferior do Tejo), teve duração de cerca de 20 s. Ocorreram várias réplicas no mesmo dia e nos meses seguintes, tendo sido sentidos 246 abalos no vale do Tejo entre 24 de Abril de 1909 e 10 de Setembro de 1910.

A magnitude atribuída mais recentemente (Teves-Costa et al., 2005, 2010) aponta para Mw entre 6,0 e 6,2 e MS perto de 6,3. A intensidade registada em Benavente foi IX (IMM) e em Lisboa VII (IMM), sendo a parte oriental desta cidade a mais danificada, registando queda de chaminés, fendilhação de fachadas e muros (Choffat e Bensaúde, 1912). Em Espanha a intensidade máxima chegou a V nas cidades de Cáceres e Ciudad Real.


Fonte: Adaptado de Teves-Costa e Batlló, 2010
21-02-1964Uma crise sísmica abalou a parte oeste da ilha de S. Jorge, pelas 17h14, com uma magnitude Mb de 5,5, registando intensidades máximas de VIII/IX nos Rosais e causando grande destruição nos Rosais e nas Velas. Ficaram danificadas mais de 900 casas e 400 destruídas. Espalhou-se o pânico na ilha, levando à evacuação de grande número de jorgenses para a Terceira e outras ilhas. Esta crise esteve associada a uma erupção submarina ao largo dos Rosais (Minerva, n.d.). No Pico atingiu intensidade VI na zona da Piedade e IV/V nas Lajes do Pico e S. Roque. No Faial registaram-se intensidades máximas de V na Horta, Ribeirinha e Cedros.
Fonte: Machado e Forjaz, 1965
28-02-1969O sismo de magnitude MS 8,0 com localização epicentral na planície abissal da Ferradura, foi sentido em todo o país, atingindo uma intensidade máxima de VIII (Mercalli) no Barlavento Algarvio, com danos importantes em alguma construção de alvenaria antiga. Em Lisboa, centenas de chaminés sofreram danos, incluindo colapsos. A sul de Lisboa registaram-se danos ligeiros a moderados em diversas igrejas e capelas.
Fonte: Adaptado de IM, 1983
23-11-1973Para os principais sismos desta crise, que ocorreram nos dias 23 de Novembro (IMM=VII/VIII em Bandeiras) e 11 de Dezembro (IMM=VI), calcularam-se valores de Mb de 5,8 e 5,6, respectivamente (Nunes, 1999). O sismo provocou graves danos, com muitas casas parcialmente destruídas, muros caídos e estradas obstruídas, nas freguesias de Bandeiras, Santa Luzia, Sto. António e S. Roque, na costa norte do Pico, na freguesia de S. Mateus, na costa sul do Pico, e ainda nas freguesias de Conceição, Matriz e Flamengos, na ilha do Faial.
Fonte: Adaptado de IM, 1987
01-01-1980Este sismo que afectou as ilhas Terceira, S. Jorge e Graciosa (ML 7,2) (Hirn et al., 1980), causou grandes estragos na cidade de Angra do Heroísmo, essencialmente em edifícios de um a dois pisos em alvenaria tradicional de pedra, danificando 15 000 habitações (50% do total existente) das quais 5000 atingiram o colapso (Guedes e Oliveira, 1992). Um pequeno tsunami foi gerado por este sismo (Baptista, 1998). O sismo causou 61 mortos muitos dos quais devido aos deslizamentos de encostas na ilha de S. Jorge. A reconstrução das zonas destruídas constituiu a operação de maior envergadura levada a cabo em Portugal nos últimos 100 anos.
Fonte: Oliveira, 2008
09-07-1998Crise sísmica que teve início a 9 de Julho de 1998, com epicentro a cerca de 15 km a NE da Horta e magnitude ML 5,9, registou perto de 10600 réplicas e durou cerca de 4 meses. O abalo das 05h19 causou a grande parte dos danos verificados nas ilhas do Faial e Pico, apresentando a ilha de S. Jorge os danos mais ligeiros e em muito menor número, dada a sua localização mais distante da zona epicentral. O sismo causou 8 mortos, uma centena de feridos, 2500 desalojados, afectando (danos ligeiros a colapso total) cerca de 35% do edificado no Faial e 10% no Pico (Oliveira e Ferreira, 2008).
Fonte: Ferreira, 2008

Referências:

Texto retirado de Ferreira, M.A. (2012). Risco sísmico em sistemas urbanos. Tese de Doutoramento. Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa. 295 pp.

Cabral, J. (1995). Neotectónica em Portugal Continental. Memórias do Instituto Geológico e Mineiro, n.º 31, Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa, p 265.

Ferreira, M.A. (2008). Classificação dos danos no edificado com base na EMS-98. Em: Oliveira, C.S.; Costa. A.; Nunes, J.C. (Eds.). Sismo 1998 – Açores. Uma década depois. Governo dos Açores/SPRHI, S.A., pp 501-512.

Machado, F.M. e Forjaz, V.H. (1965). A crise sísmica de S. Jorge, de Fevereiro de 1964. Boletim da Sociedade Geológica de Portugal 16; p 19-36.

Martins, I.J., & Mendes-Victor, L.A. (1990): Contribuição para o estudo da sismicidade de Portugal Continental. Publicação n.º 18 do IGIDL.

Moreira, V.S. (1991). Sismicidade histórica de Portugal Continental, 2nd revised edn. Rev INMG, Lisbon, p 79.

Nunes, J.C. (1999). A actividade vulcânica na Ilha do Pico do plistocénico superior ao holocénico: Mecanismo eruptivo e hazard vulcânico. Tese de Doutoramento. Departamento de Geociências, Universidade dos Açores, Ponta Delgada, 357 pp.

Nunes, J.C.; Forjaz, V.H. e Oliveira, C.S. (2004). Catálogo sísmico da região dos Açores. Versão 1.0 (1850-1998) (CD-ROM). ISBN 972-8612-17-6.

Oliveira, C.S.; Costa. A.; Nunes, J.C. (Eds.), (2008). Sismo 1998 – Açores. Uma década depois. Governo dos Açores/SPRHI, S.A.

Oliveira, C.S. e Ferreira, M.A. (2008). Impacto do sismo de 1998 no território dos Açores. Principais consequências e indicadores. Em: Oliveira, C.S.; Costa. A.; Nunes, J.C. (Eds.). Sismo 1998 – Açores. Uma década depois. Governo dos Açores/SPRHI, S.A., pp 717-726.

Teves-Costa, P.; Batlló, J.; Rio, I. e Macià, R. (2005). O sismo de Benavente de 23 de Abril de 1909-Estado da arte. Proceedings, 4◦ Simpósio de Meteorologia e Geofísica da APMG, Sesimbra, Portugal, 14–17 Fev, pp. 44–49.

Vilanova, S. (2011). SHARE Project. (comunicação pessoal)

Zitellini, N.; Rovere, M.; Terrinha, P.; Chierici, F.; Matias, L. e BIGSETS Team (2004). Neogene through quaternary tectonic reactivation of SW Iberian Passive Margin. Pure and Applied Geophysics, 161: 567-587.